quinta-feira, julho 07, 2011

O monstro do armário III


Após um momento fugaz de silêncio comovido, um som repentino de palmas encheu o salão.
Marina não sabia por que, mas se sentia um pouco tonta. Todos estavam de pé, mas ela se sentou para recuperar o equilíbrio e a respiração. A presença da tatuada havia provocado aquilo ou seria apenas uma indisposição por causa do desjejum tomado às pressas e de qualquer maneira, naquela manhã? Claro. Não havia comido direito. Uma presença desconhecida não podia incomodar tanto. Ainda mais de uma menina.

As pessoas se sentaram novamente. A palestra ia prosseguir. Então a tatuada perguntou,  sussurrando, a Marina:

__ Por acaso você sabe onde fica a sala 15?

O coração de Marina disparou de novo. A vertigem se insinuou novamente, mas um pouco mais leve. Meio gaguejando, ela respondeu:

__ Ao lado da sala 14.
__Bom, isso é meio óbvio. __ A tatuada falou, irônica. __ O problema é que não sei onde fica a sala 14 também. Na verdade não consegui encontrar o bloco de salas que vai da 10 à 20. __ Continuou.

Marina já se sentia um pouco melhor. Disse, então, sem gaguejar:

__ Desculpe. O I.E é muito grande mesmo. Só não fiquei perdida porque minhas aulas de música aconteciam aqui, então conheço muito bem o espaço. Na sala 13 está funcionado uma turma de segundo ano, na 14 , uma de primeiro,que é a minha e na 15 uma de terceiro.

__ É essa de terceiro que procuro. Passei os dois primeiros horários na sala errada, você acredita?
Marina não conseguia tirar olhos dos peitos da tatuada.
__ Ah, você é do terceiro ano... __ Comentou, tentando desviar seu olhar para o relógio, que agora começava a girar seus braços desesperadamente. “Tenho vários relógios”, pensou.

__ Sim, eu sou. Ah, meu nome é Cláudia, e o seu? ___ A tatuada perguntou.
__ Meu nome é Marina. Ah, assim que a palestra acabar te mostro onde é a sua sala, ta bom?
__ Combinado__ Disse Claudia, satisfeita.

Virginia já parecia cansada quando começou a falar de sua poetisa lírica preferida: Safo, de Lesbos:

__ Safo foi, sem dúvida, a maior poetisa lírica da antiguidade. Nasceu na ilha de Lesbos por volta do ano 612 a.C. Filha de aristocratas, teve acesso a bens culturais que as moças pobres não tinham: a dança e a poesia. Foi exilada duas vezes, uma em Pirra, outra na Sicília, pelo Ddtador Pítaco, por motivos políticos. Ao retornar a sua terra natal, teria fundado uma escola para moças, onde as ensinava poesia e dança. Alguns dizem que Safo possuía extraordinária beleza. Outros dizem que não possuía tantos atributos físicos assim. Mas, embora as opiniões a respeito de sua aparência sejam divergentes, sabe-se que encantava suas alunas, com sua poesia. Não demorou muito, muitas historias sobre outras práticas dentro da escola, além da poesia e da dança, começaram a surgir. A fama da escola como um lugar de lascívia entre mulheres começou a se espalhar.

Marina ouvia, atenta, o discurso de Virginia.
“Meu Deus, que papo mais estranho o dessa mulher”, pensava.

Virginia continuou:
__Havia uma aluna, Átis, que era a preferida de Safo. Quando seus pais souberam da má fama do estabelecimento de ensino, “trancaram a matrícula dela” e a levaram embora, fato que deixou Safo de coração partido. Foi daí que surgiu um dos mais belos poemas líricos de todos os tempos, chamado “adeus a Átis”, com o qual pretendo encerrar esta palestra. Mas antes há ainda algumas coisas a serem ditas a respeito dessa magnífica poetisa. Lendas e lendas foram contadas a seu respeito. Uma delas, do poeta Ovídio, diz que ela teria voltado a amar os homens. E ainda de acordo com Ovídio, sua morte teria sido provocada por um amor desse tipo: apaixonada por um marinheiro chamado Faon, e não sendo correspondida, Safo teria se atirado de um Rochedo em Leuca.

Cláudia, ao ouvir isso se revoltou:
__ Como assim? Pulou de um rochedo por causa de um homem? Duvido muito! Ainda mais depois de ter vivido amores tão intensos e diferentes como aqueles! Ela não seria capaz de voltar ao medíocre! Essa lenda só podia ter sido escrita por um homem mesmo! Não acredito.

Marina achou estranha aquela revolta toda, mas não disse nada.

Virginia prosseguiu:
_ No século XI a Igreja católica queimou toda sua obra, contida em nove volumes. Apenas no século XIX, alguns arqueólogos ingleses descobriram, em Oxorinco, sarcófagos envoltos em tiras de pergaminhos. Em umas dessas tiras estavam lá, legíveis, uns 600 versos de Safo. E é isso que restou dela para os leitores de hoje. Fragmentos.
Finalizo então com o poema que Safo fez para sua adorada Átis:

Adeus a Átis

Não minto: eu me queria morta.
Deixava-me desfeita em lágrimas:

“Mas, ah, que triste a nossa sina!
Eu vou contra a vontade, juro,
Safo”. “ Seja feliz”, eu disse,

“ E lembre-se de quanto a quero.
Ou já esqueceu? Pois vou lembrar-lhe
Os nossos momentos de amor.

Quantas grinaldas,no seu colo
__ Rosas, violetas, açafrão_.
Trançamos juntas! Multiflores

Colares atei para o tenro
Pescoço de Átis,os perfumes
Nos cabelos, os óleos raros
Da sua pele em minha pele
[...]

Cama macia, o amor nascia
De sua beleza e eu matava
A sua sede [...]

Cai a lua, caem as plêiades e
É meia-noite, o tempo passa e
Eu só,aqui deitada, desejante.

__Adolescência, adolescência,
Você se vai, aonde vai?
__ Não volto mais para você,
Para você não volto mais.


Tenham todos um bom dia!

Todos estavam de pé, aplaudindo Virginia. Ela realmente tinha um jeito especial de ler poemas, todos ficavam emocionados.

O auditório principal começava a ficar vazio. Marina e Claudia se levantaram e andaram em silêncio até a porta vermelha. Os olhos de Marina percorriam sutilmente e sem querer os contornos dos lábios de Cláudia, que disse:
__ Vamos, me mostre onde é minha sala.
Então as duas saíram apressadas pelos corredores. Marina andava quase correndo, como se estivesse fugindo de alguma coisa da qual ela tinha muito medo. O poema de Safo martelava em sua cabeça.


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