sexta-feira, setembro 23, 2011

O monstro do armário V


Me lembro  perfeitamente daquele orgasmo confuso, melancólico e desesperado, naquela tarde chuvosa, ao som de lamentáveis violinos paternos e ruídos de unhas caninas na porta do quarto. E me lembro que a fome, que havia desaparecido, me atacou violenta, depois que gozei, mas não tive coragem ir a até a cozinha pegar o resto do meu almoço, porque eu teria de encarar Hamlet e, talvez, meu pai, e eu estava com vergonha. Vergonha de ter sentido tanto prazer pensando numa menina, e era como se meu pai fosse capaz de descobrir o que eu passei a considerar, a partir de então, meu terrível segredo. Então chorei muito, e dormi faminta.

Não sei por que, mas a lembrança dela, mesmo tendo passado tanto tempo, ainda me enche de febres. Adoeço. Quantas outras vezes, depois que ela voltou para o México, ainda não morri de amores solitária, em meus lençóis amarrotados e impregnados de lembranças doces e quentes?

E já fazia tempo que eu não pensava nisso. E, de repente, uma ferida aberta, numa manhã desbotada, me engravida de nostalgias...

Mas, tudo bem. Vamos colocar um curativo com mertiolate também em meu coração. Talvez funcione.
Finalmente cheguei em casa, e vou ter de passar a tarde toda sozinha. Ou melhor, com Hamlet. Mas ele anda meio triste, talvez esteja doente. Nem pula mais em mim quando chego. Meu pobre cão está envelhecendo...

Acho que vou almoçar e dormir.

Na cozinha, um universo de copos sujos, pratos com sobras de comida, e uma barata atordoada, desmaia perto da lixeira. Deve ter cheirado muita naftalina, coitada. Dou-lhe um golpe mortal com o solado do meu all star. Golpe de misericórdia.
Maravilha, não tem comida. Quando meu pai viaja, é sempre assim, tenho que me virar e como não sei nem fritar ovo, tenho que passar o dia à base de miojo. Então coloco água pra ferver, coloco o macarrão na panela, e o telefone toca.
Era meu pai. Me pergunta se está tudo bem, eu digo que sim, reclamo mais uma vez de sua repentina viagem, ele diz que é assim mesmo, que tenho que me acostumar, me pede pra comer direitinho, diz que está com saudades e desliga.
Colocar o telefone no gancho me deixou com um buraco no peito. Estou toda sensível hoje, e não gosto de ficar assim. Geralmente solidão não me incomoda, mas hoje é como se eu tivesse sido abandonada pelo mundo. Me sinto como se ninguém me amasse.
Almoço, me deito e fico pensando na noite que virá. Mais tarde irei à Casa Noturna tocar sax. Eu e minha banda de gente sem graça. Não sei por que continuo tocando com aquelas pessoas. No fundo, no fundo, toco sozinha, porque acho que eles são todos muito chatos. Pessoas individualistas e mesquinhas. E falsas. Pessoas de plástico. Odeio plástico.

Um comentário:

Teixeira disse...

Ela toca sozinha (dentro de uma banda) porque os outros são individualistas...

Quão mais humana essa personagem pode se tornar?